Revisto em 17/06/2020
Muito se fala sobre a origem do kendô [1] no Japão, sua relação com as artes marciais praticadas pelos samurai e já existem bons trabalhos escritos sobre o desenvolvimento do kendô no Brasil, particularmente no eixo Sul-Sudeste, a região que concentra a maior parte dos dôjôs e senseis do país. Pouco se fala, porém, da história do kendô no eixo Norte-Nordeste. Assim, decidi fazer uma pequena compilação do que sabemos sobre a história do kendô no nordeste.
Gostaria de destacar que as informações foram obtidas por meio de conversas com praticantes e instrutores de diversos dôjôs, eu mesmo não participei diretamente da maior parte dos acontecimentos, nem tenho acesso a livros ou informações oficiais, portanto certamente haverá erros e distorções, motivo pelo qual peço desculpas desde já. Se você tiver algum apontamento ou correção a fazer, por favor, sinta-se à vontade para me enviar um comentário público ou privado.
Dizer que o primeiro dôjô no nordeste teria surgido em determinado momento não implica dizer que não existia prática de kendô anteriormente. Essa prática, porém, em geral isolada e sem vínculos com federações, é de difícil verificação, portanto escolher a fundação de dôjôs como foco do texto me pareceu a abordagem mais adequada. Dito isso, quando oportuno à história de determinado dôjô, nada impede que sejam feitas breve pontuações relativas a esse período.
Por fim, agradeço a todos os que colaboraram com a construção deste pequeno artigo, sem as informações que me foram dadas, certamente nada disso seria possível.
Então, vamos seguir primeiramente com um resumo do processo de organização (ou re-organização) do kendô, iaidô e jôdô na Região Nordeste.
Surgimento de Dôjôs no Nordeste Nordeste
Pernambuco e Paraíba – troca de experiências
Em 1997, o pernambucano Gustavo Gouveia, então 1º kyû em iaidô, hoje 5º dan em iaidô e 4º dan em kendô, traz para Recife-PE o iaidô do estilo Musô Jikiden Eishin-ryû que treinou na Inglaterra, inclusive trazendo instrutores ingleses como Gavin Threipland para ministrar aulas em Recife. Durante esse primeiro momento, apenas se treinava o iaidô. A Associação de Kendo do Recife (Sango Dôjô) viria eventualmente, a sediar o I Seminário e Campeonato Norte-Nordeste de Kendô e Iaidô [2] no ano de 2005.
Em 2001, o carioca Oswaldo Santos, um dos fundadores do dôjô Mugen (RJ) — hoje liderado por André Queiroz, 6º dan em kendô — firma residência em João Pessoa e passa a transmitir o kendô na capital paraibana mantendo o mesmo nome: Mugen. Logo, os dôjôs de Recife e João Pessoa passaram a fazer frequentes intercâmbios, levando o iaidô para a Paraíba e o kendô para Pernambuco. A Mugen de João Pessoa, liderada por Márcio Medeiros (4º dan em kendô e 3º dan em iaidô), hoje serve como ponto de orientação para os dôjôs de Campina Grande e Natal, além de ter sediado diversos eventos regionais.
A Associação de Kendo do Recife continua sendo a principal referência em iaidô do norte-nordeste, tendo também promovido encontros regionais de iaidô inclusive com a participação de Alexandre Pereira, 5º dan em iaidô e residente em Nagoya, Japão.
A oficialização do Kendô em Alagoas e na Bahia
Em Alagoas o kendô era praticado por grupos ainda com pouco vínculo com as organizações nacionais e internacionais, liderados pelo taiwanês Paulo J. Hsie, pelo carateca Francisco Araújo da Escola de Karatê Budokan e pela Associação de Kendo de Alagoas – ASKA, um grupo de ex alunos do Instituto Niten. Em 2005 a ASKA organiza um seminário com os senseis Paulo Y. Hayashi e Ciutoco Kogima, ambos 7º dan de São Paulo e, à época, presidente e vice-presidente da CBK, respectivamente.
No ano de 2009, um grupo de ex-praticantes e alguns curiosos organizam um novo grupo de treinos em Maceió a ser liderado por Ranilson Paiva, então 1º dan em kendô (hoje 3º dan em kendô e 1º dan em iaidô). Em 2010 o grupo participa pela primeira vez de um evento oficial, o “V Seminário e Campeonato Norte-Nordeste de Kendô e Iaidô”, em João Pessoa, como o dôjô Yuuhakkan.
Os dôjôs Yuuhakkan e Budokan viriam a organizar conjuntamente, no ano de 2017, em Maceió, o “12º Seminário e Campeonato Nordeste de Kendô e Iaidô”.
Em Salvador-BA, Renato Alcântara, hoje 3º dan em kendô, 2º dan em iaidô e 1 kyû em jôdô, que havia treinado kendô e iaidô por conta própria, tendo participando de seminários e visitando dôjôs — incluindo seminário de iaidô e jôdô com Gavin Threipland em Recife no ano de 2003 — participa do “3º Seminário e Campeonato Norte-Nordeste de Kendô e Iaidô” em 2007, onde, junto do também baiano Marcos Novaes, obtém 1º kyu em kendô. Após um período de dificuldades financeiras que o manteve treinando sozinho, Renato decide, em 2010, após uma viagem ao Japão, finalmente organizar o que se tornaria a Associação de Kendo de Salvador.
Projetos de Extensão Universitária: Campina Grande (PB) e Natal (RN)
No ano de 2014, a servidora da Universidade Estadual da Paraíba e kenshi do Mugen João Pessoa, Irenilda Medeiros (então 2º dan em kendô e, hoje, 3º dan), leva o kendô para a cidade de Campina Grande através de projeto de extensão universitária da UEPB. Em 2015, o Mugen Campina Grande sedia o “X Seminário e Campeonato Norte-Nordeste” no campus da universidade.
Em 2013, Igor Chacon, de Natal, passa a treinar sob orientação da Mugen JP de Márcio Medeiros. Juntando-se, posteriormente, a Francisco Paiva, que havia treinado kendo no Rio de Janeiro, e, eventualmente, com a ajuda do servidor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Cesar Moura, conseguiram, em 2015, transformaram a Associação de Kendo do Rio Grande do Norte em projeto de extensão da UFRN, onde foi realizado o “XI Seminário e Campeonato Nordeste de Kendo e Iaido”.
São Luís, Maranhão
Em 2005, o aikidoka Omar Andres Carmona Cortes, hoje 2º dan em kendô, que já havia treinado um pouco de kendô em São Carlos – SP, e um aluno decidem montar um grupo de prática de kendô em São Luís – MA. A iniciativa contou com o apoio do sensei Yashiro Yamamoto, de São Carlos, que ajudou a pedir autorização para a CBK para montar o grupo em São Luís, bem como posteriormente do sensei Sílvio Yoshikawa (São Bernardo do Campo – SP) e da Associação de Kendo do Pará.
Mesmo com a ausência do líder do dôjô nos anos de 2013 e 2014, o Kendô São Luís permaneceu ativo, participando de eventos e graduando membros.
Fortaleza e Teresina
A Associação de Kendo do Ceará foi fundada em 2010, sendo liderada pelo piauense Glauber Helcias Cavalcante, residente em Fortaleza, ano em que recebeu os senseis Ciutoco Kogima, Paulo Y. Hayashi e Yashiro Yamamoto, enviados pela CBK. Em 2015, Glauber vem a falecer devido a um acidente automobilístico e, em sua homenagem, a Associação de Kendo do Ceará, que permaneceu ativa, organizou o 1º, 2º e 3º “Campeonato Glauber Cavalcante de Kendo para Iniciantes”.
Por fim, no Piauí, o grupo de kendô foi formalizado no ano de 2016, surgindo a partir de um fórum virtual no Facebook, aberto em meados de 2014, com o intuito de reunir teresinenses interessados pela prática do kendô. Com a ajuda de praticantes de outros estados, em particular de Glauber Cavalcante, o grupo teve acesso às primeiras informações e treinos de kendô.
Hoje a Associação Teresinense de Kendô – ATK tem como seu responsável técnico Graciano Kitamura, 4º dan em kendô da Associação Metropolitana de Kendo (Brasília – DF).
Palavras Finais
Assim terminamos, por enquanto, nosso artigo. Em momentos futuros visitaremos os bastidores dos primeiros eventos regionais oficiais organizados no Nordeste. Agradeço a todos os que colaboraram contando sua história e, mais uma vez, fiquem todos à vontade para sugerir textos, temas, correções, etc.
[1] Leia-se, ao menos nesta seção introdutória, “kendô” como as três artes marciais abarcadas pela Confederação Brasileira de Kendo (CBK): kendô, iaidô e jôdô (art. 4º do Estatuto da CBK).
[2] Desde 2005 é organizado anualmente o evento regional hoje chamado Seminário e Campeonato Nordeste de Kendo e Iaido. O evento originalmente abarcava as regiões Norte e Nordeste e, por vezes, recebeu nomes diversos como “Encontro Norte-Nordeste”. O evento será tema de postagem futura.
Parabéns!! A memória é fundamental, pois é a história do Kendo no Brasil.
Olá Vasques san, sou bibliotecária e adoro memórias, sem resguardo disso não temos história. Minha correção é que o projeto de extensão de Campina-Grande é na Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, e não como consta na matéria que diz ser na UFPB. Peço por favor que corrija, pois quero compartilhar esse artigo no facebook da extensão, rrsrrs. Obrigada desde já. E realmente a amizade na época do sensei Oswaldo Santos e do sensei Gustavo Gouveia aproximou muito os dojos, que se tornaram dojos irmãos. O sensei Gravin chegou também a dar um treino de kendo e de Jodo juntamente com o sensei Gustavo em João Pessoa em 2013. Para te ajudar em sua pesquisa, em 2003 tivemos o primeiro campeonato Recife e João Pessoa, realizado em João Pessoa, no evento contamos também com a presença do sensei Saldanha que estava residindo em Recife. Até então desconhecíamos a prática de kendo em outro Estado do Nordeste. Segue link da foto que tenho desse evento: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=3281696958879&set=a.2013722020298.2111299.1161224782&type=3&theater.
Um abração daqui das terras paraibanas.
Corrigido! Vou guardar essas informações para a parte 2 que tratará dos eventos com mais detalhes. Obrigado pela contribuição!!
Parabens pelo belo trabalho, prezado LG Vasques.
Sou viúva de Glauber, que você cita no seu artigo. Por acaso vi seu artigo e quero agradecer a referência que fez a ele. Ele vivia muito para essa disseminação do Kendô e tenho certeza que ainda cuida disso, no outro plano espiritual. As associações do Ce e do Pi preservam sua ideia e fico muito feliz por isso.