Esta é uma postagem de conteúdo estritamente baseado na minha opinião, que está absolutamente sujeita a mudanças e de forma nenhuma representa alguma tentativa de impor um ponto de vista como intrinsecamente superior ou mais correto que outros. Convido, inclusive, o leitor a um debate saudável sobre o assunto, com ou sem aquela cervejinha na mão.
Uma parte que considero importante nas artes marciais que pratico é a ideia de legitimidade e tradicionalidade. Não que eu seja uma pessoa particularmente tradicionalista, mas entendo que determinadas atividades fazem muito mais sentido quando ligadas a certas tradições e convenções. Num mundo ideal, começamos num estado de “copo vazio” e somos instruídos corretamente desde o começo por uma pessoa já bastante experiente a quem chamamos de “sensei“. Ao sensei confiamos a tarefa de nos guiar desde o começo da nossa jornada do aprendizado; seus métodos foram testados e refinados por vários anos antes de começarmos a balançar um shinai/bokuto/etc.
O que ocorre, porém, no mundo real? Quantas pessoas não começam a treinar sob a orientação de um sensei não qualificado, seja porque o tal sensei é um charlatão, seja porque, na falta de alguém qualificado de verdade, recai sobre alguém com ainda pouco conhecimento tomar a responsabilidade de organizar o treino e direcionar os menos experientes.
A verdade é que algumas dessas coisas não estão sob nosso controle. Mesmo que depois de um tempo a situação mude; seja porque o charlatão foi desmascarado, seja porque seu grupo foi capaz de crescer além de um grupo de iniciantes bem intencionados, nosso passado estará sempre conosco. Não há como colocar embaixo do tapete todos os anos de orientação boa e ruim que tivemos. Me parece meio ilusório e, por isso mesmo, talvez contraproducente simplesmente tentar apagar a memória do que passou.
As experiências que tivemos, boas ou ruins, e mesmo as experiências boas e ruins pelas quais nossos antecessores passaram são parte da nossa caminhada. Um exemplo que me vem à cabeça é o de pessoas ou grupos que começaram a treinar “kendô” sob a tutela de grupos conhecidos por seu marketing agressivo. Muito do que essas pessoas aprenderam nesses grupos é incompatível com o que entendemos como o kendô sério e deverá, logicamente, ser descartado. Para além da parte técnica, porém, essas pessoas não poderão negar suas origens.
Ouso dizer que, quem teve a oportunidade de treinar de maneira errada por anos, recebe uma informação confiável com muito mais carinho e atenção que aquele que sempre esteve acostumado com esse acesso. Aquele que gastou rios de dinheiro para aprender katas mirabolantes de estilos misteriosos, é provavelmente muito grato à possibilidade de visitar um dôjô com pessoas imensamente qualificadas, sendo bem recebido e treinando gratuitamente ou a custos baixíssimos.
Para dar um exemplo pessoal, quando comecei a treinar kendô, a graduação local mais alta era shodan (1° dan) em kendô. Além dos vícios ligados à falta de orientação adequada, muito do treino ainda era uma tentativa de entender o que era possível ou não se aproveitar de experiências anteriores, no mínimo, complicadas. Treinávamos como podíamos, nos apegando a um misto de experiências anteriores e seminários da CBK.
Poderia ter sido um começo bem melhor, se eu tivesse começado a treinar em algum lugar com um kendô mais organizado e desenvolvido, como acredito que hoje seja para quem começa a treinar aqui em Maceió, mas eu me pergunto: será que o modo como eu vejo, treino e penso o meu kendô hoje, não é fruto dessa experiência? Do que aprendi com meus colegas que passaram por senseis marketeiros, por katas de origens incertas… E tantas outras coisas “negativas”?
Lembro que quando fui pela primeira vez em um dôjô de iaidô em São Paulo-SP, achando que sabia alguma coisa de iai, arrisquei (com autorização do sensei local) mostrar todo o meu não conhecimento da arte. Poderia ter sido constrangedor, mas fiquei verdadeiramente satisfeito de poder treinar sob boa orientação, de ter um trilhão de coisas a aprender e a corrigir. Tenho esse dia como uma das memórias mais significativas da minha história no kendô/iaidô.
Esse dia nunca teria chegado se aqui no nosso dôjô nós não tivéssemos começado a treinar o iaidô como algo que “vem junto” do kendô. Uma leitura bastante discutível e que já levou a situações de falsa equivalência de graduação entre as duas artes por pessoas de intensão questionável.
Em meio a tantos erros e acertos formamos a nossa história e a história nem sempre é muito bonita, nem sempre é muito conveniente e talvez nem sempre possa ser falada em voz alta para todas as pessoas, mas, pelo menos, é real.
Muito bom este seu pensamento, somos forjados de várias formas algumas boas outras ruim, mas tudo é um aprendizado.
Tive um professor de física no colégio que falava nunca ter perdido uma briga, pois a cada soco que levava na cara ele imediatamente e com a mesma força dava uma carada na mão dele.
Vcs trilharam um belo caminho aí em Maceió e ainda há muito a trilhar, pode até ser que para os que vão começar agora ficou mais fácil, mas o começo sempre é difícil e deve ser sempre considerado.
Parabéns pelo trabalho e dedicação que tem. 🙇🏻♂️
Obrigado pelas palavras e pelo comentário, Adilson-sensei!